segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Hipocrisia

Tales Alvarenga
Menos hipocrisia,
por favor


"Só mesmo numa cidade como o Rio de
Janeiro, na qual o narcotráfico e os tiroteios
entre quadrilhas não existem mais, é concebível
deslocar quarenta policiais para prender amantes
de briga de galo."


Se está na lei que promover briga de galo é crime, e um crime que dá cadeia, cumpra-se a lei. Outra coisa é transformar o publicitário Duda Mendonça num sujeito rude, sem bons sentimentos e ainda por cima criminoso porque foi flagrado e preso numa rinha no Rio de Janeiro pela Polícia Federal.


Não gosto de rinhas, mas também não gosto de galos. Um galo a menos no mundo não prejudica ninguém. Aliás, a supressão de um desses galináceos cheios de testosterona traz a vantagem de calar um daqueles despertadores ambulantes que nos acordam de madrugada.


Não gosto de galos nem de rinhas, mas gosto de touradas e lutas de boxe, o que não me transforma num ser humano cruel, muito menos criminoso. Até aqui estou falando de preferências pessoais. Do ponto de vista dos princípios, o repentino horror demonstrado às brigas de galo é mais esquisito ainda.


Se Duda foi preso porque participava de um ritual de crueldade contra galos, o que dizer de criadores de frangos ou donos de frigoríficos, como o ministro Luiz Fernando Furlan, da Sadia, que deixam as aves presas a vida inteira em cubículos e no fim as executam para o deleite carnal de milhões de brasileiros?


Tem muita gente boa que põe passarinho em gaiola. Na sociedade dos homens, só vai para a gaiola quem é condenado pela Justiça por algum seriíssimo ato anti-social. Mas, como bicho não é gente (com exceção dos galos, ao que tudo indica), ninguém chama a polícia porque o vizinho mantém um canário preso na varanda. Engordar porcos até aquele limite antinatural que conhecemos também é uma crueldade, mas não incomoda ninguém. Ao contrário. Você já viu alguém envergonhado de comprar bacon no supermercado?


Não vamos continuar com a lista porque ela é muito longa. Sem muito esforço retórico, eu incluiria até mesmo ratos na relação. Os laboratórios químicos incluem. Conhecendo a força dos lobbies de proteção aos animais, os fabricantes de remédios se protegem informando que na produção de suas drogas não usam métodos cruéis contra cobaias. Agora, cá entre nós. Você sabe que os franceses alimentam gansos à força, por meio de funis. Os gansos são entupidos de milho até seu fígado ficar deformado, enorme. Esses fígados inchados se transformam depois numa das glórias da culinária francesa. Pois bem: atire a primeira pedra em Duda Mendonça aquele que nunca comeu patê de fígado de ganso -- por princípio, é claro.


Duda Mendonça não foi preso apenas por crueldade contra animais. Também pesa contra ele a acusação de formação de quadrilha. Só mesmo numa cidade como o Rio de Janeiro, na qual o narcotráfico foi vencido, os tiroteios entre quadrilhas não acontecem mais e os arrastões na praia são manifestações há muito dominadas pelas autoridades, é concebível deslocar quarenta policiais para dar uma batida em Jacarepaguá com o objetivo de fechar uma rinha.


Sou um defensor do cumprimento das leis. Mas as leis devem refletir alguma lógica. Então, de duas, uma: ou se muda a lei para liberar as rinhas ou se fecham todos os matadouros e zoológicos do país. As crianças podem achar muita graça nos macacos. Mas os macacos não acham graça nenhuma nas crianças. Em resumo, menos hipocrisia, por favor.

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